A jurisprudência trabalhista recente, especialmente após a fixação do Tema 177 pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), reacendeu o debate sobre o correto enquadramento sindical de empregados que atuam em empresas que operam com cartões de crédito. Conforme decidido no referido tema, os empregados de administradoras de cartão de crédito devem ser considerados financiários, com todos os reflexos decorrentes desse enquadramento, como jornada reduzida e benefícios previstos em convenções coletivas da categoria.
Contudo, a aplicação automática desse entendimento exige cautela. O Tema 177 afirma que os “empregados de administradoras de cartão de crédito enquadram-se na categoria dos financiários”, tendo como premissa a atuação da empresa como instituição financeira nos termos da Lei 4.595/64, ou seja, entidade que capta recursos no mercado, concede crédito com recursos próprios e realiza intermediação financeira. Tais características, entretanto, não se aplicam às chamadas instituições de pagamento, reguladas pela Lei 12.865/13.
A distinção entre instituições financeiras e instituições de pagamento tem sido reconhecida pelos tribunais, como o julgado do TRT da 17ª Região, que afastou a aplicação do Tema 177 ao caso da Will Instituição de Pagamento. O entendimento predominante é de que a mera emissão ou administração de cartões não configura, por si só, atividade financeira se não houver concessão direta de crédito e captação de recursos.
| Característica | Instituição Financeira | Instituição de Pagamento |
| Captação de depósitos | ✔ | ✘ |
| Concessão direta de crédito | ✔ | ✘ |
| Intermediação financeira | ✔ | ✘ |
| Emissão/gestão de cartões | ✔ | ✔ |
| Atuação principal | Operações financeiras | Serviços de pagamento |
Relevante mencionar ainda a decisão monocrática proferida pelo Ministro Aloysio Corrêa da Veiga, no julgamento dos embargos de declaração relacionados ao Tema 177, na qual foi indeferido o pedido da associação Zetta para ingressar no processo como assistente simples ou amicus curiae. O Ministro entendeu que a entidade não demonstrou interesse jurídico direto capaz de justificar sua intervenção, limitando sua representatividade a impacto meramente institucional.
Embora a decisão não adentre o mérito da distinção entre instituições financeiras e instituições de pagamento, ela evidencia que o TST tem restringido a participação de atores setoriais, o que reforça a necessidade de esclarecimento técnico em cada caso concreto, especialmente para evitar a aplicação automática do Tema 177.
Tal posicionamento do Poder Judiciário evidencia a necessidade de distinção entre administradoras de cartões vinculadas ao sistema financeiro tradicional e as instituições de pagamento, em especial as fintechs — estas últimas, inclusive, representadas pela associação Zetta no julgamento mencionado. Todavia é válido esclarecer que a decisão citada não trata da natureza jurídica das IPs, apenas da admissibilidade do amicus curiae.
Diante de todo o exposto, a conclusão que se impõe é a de que o Tema 177 do TST somente se aplica às administradoras de cartões de crédito que se caracterizam como instituições financeiras, emitindo e administrando cartões próprios ou de terceiros e concedendo crédito diretamente aos clientes. Não se aplicando, portanto, o enquadramento de empregados de instituições de pagamento como financiários, uma vez que tal interpretação desconsidera a natureza própria dessas entidades, as suas atividades autorizadas e o regime regulatório que lhes é aplicável.
Amanda Ferraz e Marília Lobo, sócias da área de Direito Trabalhista do Queiroz Cavalcanti Advocacia.