Em julho de 2025, com a celebração do acordo de livre comércio entre o MERCOSUL e a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), o Brasil deu um passo decisivo na expansão de suas relações comerciais internacionais. Mais do que um simples documento entre blocos econômicos, trata-se de uma janela de oportunidade que promete transformar o cenário do comércio exterior brasileiro.
Entre as vantagens da medida, destaca-se a ampliação do alcance dos produtos, a redução de barreiras e burocracias, o favorecimento do agronegócio e da indústria, a sustentabilidade como diferencial competitivo e a criação de condições para aumentar exportações e investimentos, com a preservação de salvaguardas nacionais.
UM MERCADO DE GIGANTES ECONÔMICOS
A EFTA pode ter apenas 15 milhões de habitantes distribuídos entre Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, mas esses números não podem ser subestimados. Trata-se das economias que figuram entre as mais ricas do planeta: Liechtenstein ocupa a segunda posição mundial em PIB per capita (US$ 186 mil), seguido pela Suíça em quarto lugar (US$ 104,5 mil), Islândia em sexto (US$ 87,2 mil) e Noruega em sétimo (US$ 86,6 mil). Juntos, esses países formam um mercado de US$ 1,4 trilhão em PIB – um valor que, quando combinado com o MERCOSUL, cria um espaço econômico de aproximadamente 290 milhões de consumidores e US$ 4,39 trilhões.
Para colocar isso em perspectiva, o acordo representa um incremento potencial de US$ 7,2 bilhões no comércio brasileiro, baseado nos dados de 2024, de acordo com o Comex Stat (MDIC – Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços). Isso significa um salto de 10% nas trocas internacionais do Brasil amparadas por acordos comerciais.
O QUE MUDA NA PRÁTICA
A grande revolução deste acordo está na eliminação quase total das barreiras tarifárias. A partir do primeiro dia de vigência, a EFTA eliminará 100% das tarifas de importação dos setores industrial e pesqueiro. Para produtos brasileiros, isso significa acesso em livre comércio a quase 99% do valor que exportamos para esses países. A Islândia e Liechtenstein abrem suas portas completamente (100% dos produtos brasileiros), enquanto Noruega (99,8%) e Suíça (97,7%) ficam bem próximos da liberalização total.
Do lado brasileiro, a liberalização será igualmente ampla. O Brasil se compromete a eliminar tarifas para aproximadamente 97% do comércio com a EFTA, com apenas 1,2% dos produtos sujeitos a desgravação parcial através de quotas e preferências. O cronograma brasileiro é mais escalonado, com reduções tarifárias ocorrendo na entrada em vigor do acordo e depois em períodos de 4, 8, 10 e 15 anos, dependendo do produto.
O acordo estabelece quotas de importação que permitem aos produtos nelas enquadrados serem exportados para os países integrantes sem a tributação típica dos bens importados. Em outras palavras, são criadas preferências tarifárias que consistem em tratamentos comerciais especiais, resultando na redução ou isenção de impostos sobre bens originários de países específicos. Essas concessões, mais vantajosas do que as tarifas aplicadas a nações sem acordos comerciais, visam fortalecer os laços econômicos e estimular o crescimento das trocas entre os parceiros do MERCOSUL e da EFTA.
FACILITAÇÃO DO COMÉRCIO: REDUÇÃO DAS BUROCRACIAS E INCREMENTO DOS NEGÓCIOS
Uma das inovações mais significativas do acordo está nas medidas de facilitação do comércio. Aqui, o foco vai muito além da eliminação de tarifas – trata-se de simplificar toda a cadeia logística do comércio internacional. O acordo prevê transparência nos procedimentos aduaneiros, uso intensivo de tecnologia, gestão inteligente de riscos e cooperação entre autoridades.
Particularmente relevante para os exportadores brasileiros é a implementação da autocertificação de origem, que elimina a necessidade de certificados emitidos por terceiros, reduzindo custos e agilizando processos. Outra facilidade importante é a possibilidade de usar centros de distribuição na União Europeia sem perder os benefícios preferenciais do acordo, desde que a mercadoria não seja alterada. Essa flexibilidade pode ser estratégica para empresas que já operam na Europa ou pretendem expandir suas operações.
O reconhecimento mútuo de operadores econômicos autorizados (OEA) também merece destaque. Empresas brasileiras certificadas no programa OEA terão procedimentos simplificados ao exportar para os países da EFTA, criando uma verdadeira “via expressa” para operadores confiáveis.
OPORTUNIDADES SETORIAIS
O agronegócio brasileiro tem motivos para comemorar. O acordo abre novas oportunidades para carnes bovina, suína e de aves, além de milho, farelo de soja, melaço de cana, mel, café torrado, álcool etílico e uma variedade de frutas. Para cada país da EFTA, foram negociadas quotas específicas e concessões que beneficiam diretamente os produtores brasileiros.
A Suíça e Liechtenstein, por exemplo, ofereceram quotas generosas: 22.500 toneladas para carne bovina e preparações, 54.482 toneladas para carnes de frango, peru e suíno, além de 70.000 toneladas para cereais. A Noruega abriu quotas para 10.000 toneladas de milho e farinha de milho e 5.000 toneladas de farelo de soja. Mesmo a pequena Islândia ofereceu preferências tarifárias de 50% dentro de sua quota global de carnes.
No setor industrial, as oportunidades são igualmente promissoras. Produtos como madeira, celulose, pedras ornamentais e semimanufaturados de ferro e aço – que hoje têm baixo volume de exportação para a EFTA – passarão a contar com acesso preferencial. O levantamento oficial identifica que apenas os vinte principais itens com potencial imediato representam um mercado de mais de US$ 2 bilhões para empresas brasileiras.
As disposições sobre investimentos visam conferir maior segurança, transparência e previsibilidade para o fluxo de investimentos entre as partes. Além disso, por meio de listas de compromissos específicos, os países estabeleceram marcos de tratamento nacional, assegurando a não discriminação entre investidores nacionais e estrangeiros.
SUSTENTABILIDADE COMO DIFERENCIAL COMPETITIVO
Talvez a inovação mais interessante deste acordo seja a introdução de critérios ambientais no comércio de serviços. Pela primeira vez em um acordo comercial negociado pelo Brasil, prestadores internacionais de serviços digitais só podem se beneficiar das preferências se a matriz elétrica de seu país utilizar ao menos 67% de energia limpa. Aqui, o Brasil sai na frente: nossa matriz elétrica alcança mais de 90% de energia limpa, criando uma vantagem competitiva natural.
Este mecanismo, apelidado de “powershoring”, prioriza fluxos comerciais de serviços que utilizem energia limpa. Com a economia digital consumindo quantidades crescentes de energia, essa cláusula coloca o Brasil em posição privilegiada para exportar serviços tecnológicos para os países da EFTA. Em outras palavras, o diferencial competitivo passa a estar ligado não apenas ao preço ou à tarifa praticada, mas também ao impacto ambiental da energia que sustenta o setor de serviços.
IMPACTOS ECONÔMICOS MENSURÁVEIS
As simulações econômicas projetam impactos significativos até 2044 (dados do MRE e MDIC[1]). O PIB brasileiro deve crescer R$ 2,69 bilhões, com aumento de R$ 660 milhões nos investimentos. As exportações totais terão impacto de R$ 3,34 bilhões, enquanto as importações crescerão R$ 2,57 bilhões. Além disso, o acordo deve reduzir preços ao consumidor e aumentar salários reais – uma combinação rara e valiosa.
Atualmente, o Brasil exporta US$ 3,09 bilhões para a EFTA e importa US$ 4,05 bilhões, resultando em uma corrente de comércio de US$ 7,14 bilhões e déficit de US$ 960 milhões. O acordo tem potencial para equilibrar essa balança ao facilitar o acesso de produtos brasileiros competitivos aos mercados da EFTA.
PROTEÇÃO DA MARCA BRASIL
Na área de propriedade intelectual, o acordo representa um avanço importante para a proteção da “marca Brasil”. Sessenta e três indicações geográficas brasileiras passarão a ser protegidas nos países da EFTA, fortalecendo produtos como cafés especiais, cachaças tradicionais e outros produtos com identidade territorial nacional. O acordo também facilita o reconhecimento de novas indicações geográficas brasileiras, criando um ambiente mais favorável para a valorização de produtos típicos.
MECANISMOS DE PROTEÇÃO
O acordo não deixa a indústria nacional desprotegida. Mantém-se todos os direitos de defesa comercial previstos na OMC, incluindo medidas antidumping, antissubsídios e salvaguardas globais. Adicionalmente, foram criadas salvaguardas bilaterais específicas que podem ser aplicadas em circunstâncias excepcionais, quando o aumento das importações preferenciais causar prejuízo grave à indústria doméstica.
Barreiras técnicas e fitossanitárias também foram objeto do acordo, que traz regras específicas para esse tipo de exigência comercial.
Nas compras governamentais, o Brasil preservou flexibilidades importantes. As compras do Sistema Único de Saúde (SUS) ficaram excluídas do acordo, mantendo-se a possibilidade de usar critérios de preferência nacional. Também foram preservados os instrumentos de offset tecnológico e as políticas de incentivo às micro e pequenas empresas.
ETAPAS ATÉ A IMPLEMENTAÇÃO
Embora as negociações estejam concluídas, o acordo ainda precisa percorrer algumas etapas antes de produzir efeitos práticos.
No Brasil, o acordo precisará ser aprovado pelo Congresso Nacional antes da ratificação. A entrada em vigor ocorrerá no primeiro dia do terceiro mês seguinte à notificação de que pelo menos um país da EFTA e um do MERCOSUL completaram seus trâmites internos. Isso significa que o Brasil pode ratificar bilateralmente com os países da EFTA que estiverem prontos, sem esperar pelos demais parceiros do MERCOSUL.O texto do Acordo na íntegra pode ser acessado aqui: <https://www.gov.br/siscomex/pt-br/acordos-comerciais/mercosul-efta
[1] https://www.gov.br/planalto/pt-br/acompanhe-o-planalto/noticias/2025/09/mercosul-e-efta-assinam-acordo-de-livre-comercio-para-ampliar-exportacoes-entre-os-dois-blocos