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Judiciário e empresas abandonam o “juridiquês”

Empresas, escritórios de advocacia e tribunais têm abandonado o “juridiquês” e aplicado ferramentas de design para tornar documentos jurídicos compreensíveis ao grande público. Contratos, políticas de privacidade de sites e aplicativos, petições e decisões judiciais estão sendo “traduzidos” para tornar a comunicação mais efetiva.

Na Paraíba e em Pernambuco, juízes do trabalho passaram a anexar às decisões um resumo do litígio com uma explicação do que foi definido – com palavras do cotidiano, frases curtas e recursos visuais. Símbolos verde e vermelho, por exemplo, indicam, respectivamente, se os pedidos foram aceitos ou negados.

A ideia é melhorar o acesso do trabalhador à decisão, para que ele entenda se, afinal, ganhou ou perdeu a causa, o motivo e se ele ou a empresa devem pagar ou receber alguma coisa no fim do processo. “Não adianta ter a sentença na mão se não entende o que está escrito”, diz Francisco de Assis Barbosa Junior, juiz da 2ª Vara do Trabalho de Campina Grande (PB) e gestor do projeto “Design TRT”, iniciado em junho de 2021.

Os embargos de declaração (recurso para esclarecer a decisão judicial) não foram reduzidos, diz o juiz. O temor de tomar o lugar dos advogados foi derrubado com a aprovação de 90% deles, segundo pesquisa realizada pela vara. “Acesso à Justiça não é só ter o juízo para atender, mas entender o que ele fala”, afirma Barbosa Junior.

No Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Pernambuco, desde o segundo semestre do ano passado, isso é feito em acórdãos selecionados, ainda de forma artesanal. “Demoramos de três a oito horas para fazer o passo a passo”, diz o desembargador Sérgio Torres. Há, porém, acrescenta, a possibilidade de a produção ser automatizada. “Em breve, podemos ter uma tradução automática [da linguagem jurídica], como o de um texto no Google Translator. Mas há grande preocupação que o modelo seja 100% fiel à decisão.”

No Rio Grande do Sul, o Tribunal de Justiça (TJ-RS) tem abandonado textos longos, termos rebuscados e em latim para comunicações internas. A pedido do comitê de conformidade (compliance) do tribunal, o Código de Ética – entregue aos juízes que ingressam na carreira – foi um dos que ganharam um “verniz” do design para ampliar o alcance. “Não nos comunicamos de uma forma eficaz. Isso é fato”, afirma a juíza Ana Cláudia Raabe, integrante da Comissão de Inovação do TJ-RS.

Em Palmas, o juiz Rafael Gonçalves de Paula, titular da 3ª Vara Criminal, passou a enviar um vídeo, por WhatsApp, para testemunhas, vítimas e acusados intimados a depor. Há uma explicação, em formato de passo a passo, sobre o que vai acontecer durante a audiência. “A pessoa recebe uma intimação da Justiça e leva um susto. Quis deixar as pessoas mais tranquilas e quebrar o estigma da severidade do Judiciário”, diz o magistrado.

As técnicas do legal design e visual law também têm sido usadas por empresas, em conjunto com escritórios de advocacia, para adequar conteúdos a clientes e juízes. No Nordeste, a banca Queiroz Cavalcanti Advocacia, por exemplo, tem um setor específico para tornar os documentos jurídicos mais amigáveis. “Visamos o juiz que vai julgar, mas também a parte contrária que vai ler e ter uma visão do problema”, afirma Luciana Amaral, sócia e head de Legal Design.

A banca passou a usar fluxogramas, gráficos, links e vídeos. Também reduziu a reprodução de doutrina e jurisprudência nas petições iniciais e contestações. Atualmente, tem a assessoria de uma professora de português, para cortar o “juridiquês”, e de designers para o conteúdo ter cores e fontes que facilitem a leitura no computador.

A OLX adotou o visual law em peças de defesa apresentadas em ações judiciais para explicar aos juízes o modelo de negócios da plataforma. São processos que discutem, normalmente nos juizados especiais, a responsabilidade da empresa por conteúdos e fraudes praticadas por terceiros.

Nas contestações, o marketplace criou um ambiente simulado para levar o leitor – magistrados e assessores – a vivenciar a experiência do usuário no site. De acordo com a empresa, o uso da ferramenta contribuiu para elevar o índice de êxito nos litígios – de 56% em 2020 para 96% no ano passado.

“É preciso fazer uma comunicação mais objetiva porque não são modelos de negócios com os quais o Judiciário tenha tanto contato. A mensagem foi recebida e aceita”, afirma Anahí Llop, chefe da Área Jurídica da OLX Brasil, acrescentando que os termos e condições de usos do site também foram adaptados.

A farmacêutica Sanofi foi outra empresa que incorporou o visual law. De olho nas obrigações impostas pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), quis comunicar de forma mais efetiva a política de privacidade a pacientes, fornecedores, funcionários, médicos e outros profissionais da saúde.

A multinacional trocou o texto corrido de dezenas de páginas por um portal com linguagem simples, direta, com figuras e infográficos. O objetivo é deixar claras as regras de coleta e finalidade do uso e guarda de dados – sem, contudo, perder a legalidade e a segurança jurídica do documento.

“Quem não é do meio jurídico ou não tem muito interesse dificilmente vai ler um contrato de 20 páginas com um monte de texto em um site. A pessoa acaba concordando com algo que não lê”, diz Carlos Campagnoli, data protection officer (DPO) da multinacional. “A mudança da dinâmica garante transparência”, acrescenta. A unidade brasileira, segundo ele, exportou a experiência para a Sanofi nos Estados Unidos, França, Japão, China e Coreia do Sul.

De acordo com o advogado Luis Prado, especialista em direito digital do escritório Prado Vidigal, dezenas de páginas com letras miúdas de políticas de privacidade e termos de uso de plataformas podem ser comunicadas por meio de vídeo e storytelling, por exemplo. “É tão dinâmico quanto passar o cartão de crédito e criar uma conta”, diz. Além de melhorar a experiência do usuário, o uso de recursos visuais e linguagem cotidiana, afirma Prado, pode fornecer mais argumentos de que a empresa foi transparente com o consumidor. “Para quem não adotar [o visual law] será mais complicado se defender no campo judicial porque o juiz vai se acostumar com um padrão.”

Matéria publicada no Valor Econômico.