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O furto de energia e o Judiciário

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DIOGO FURTADO – Sócio do Queiroz Cavalcanti Advocacia
MAURÍCIO FERREIRA – Sócio do Queiroz Cavalcanti Advocacia

Artigo postado originalmente no JOTA.

O furto de energia é um grave problema do setor energético do Brasil, com cerca de 14% da energia distribuída em 2022 sendo alvo de furto ou desvio, de acordo com a análise conduzida pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), com base nos dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

No primeiro momento, os “gatos” podem parecer um problema exclusivo das distribuidoras. No entanto, essa situação é mais séria do que parece: esses casos sobrecarregam a infraestrutura elétrica, causando apagões e interrupções no fornecimento, além de aumentar as tarifas para todos os consumidores, inclusive aqueles que agem de maneira correta. Isso significa que os consumidores regulares arcarão com custos mais altos para compensar parte das perdas das distribuidoras. Tal fato decorre do reajuste tarifário determinado pela Aneel em razão de previsão no contrato de concessão, que obedece a critérios de eficiência impostos às distribuidoras.

De acordo com informações da Aneel, este é um problema generalizado e todo o setor elétrico enfrenta desafios substanciais devido ao furto de energia e à ausência de cooperação do judiciário. Certamente, entre os principais fatores estão a piora das condições socioeconômicas da população e a falta de fiscalização ou punição branda por parte das autoridades quando são identificados desvios.

Com relação às punições brandas, é importante entender não apenas o papel da sociedade, mas também dos agentes da justiça, tal qual autoridade policial, Ministério Público, magistrados e advogados.

Ainda existe discussão judicial quanto ao enquadramento do desvio de energia como crime de furto, o que certamente ajudaria a diminuir os índices de desvio por gerar uma punição mais severa. Mas esta não é a única forma de passar a ter maior rigor em casos de fraude.

Apenas para fazer um apanhado de como essas ações são enfrentadas no judiciário, após a concessionária finalmente conseguir afastar todas as presunções favoráveis ao “consumidor” previstas no Código de Defesa do Consumidor e finalmente conseguir demonstrar que existiu efetivamente uma fraude no caso concreto, geralmente, as ações são tão somente julgadas improcedentes. Ou seja, o fraudador não tem êxito em afastar a cobrança, mas, em razão de na maioria das vezes possuir os benefícios da justiça gratuita, sequer precisará arcar com custas e honorários.

Não é comum o direcionamento judicial para aplicações de multa por litigância de má-fé, encaminhamento de ofício as autoridades policiais e Ministério Público, ou mesmo condenação em realizar o pagamento da fatura nos próprios autos, garantindo maior economia processual.

Por parte das concessionárias, é necessário não apenas o cuidado na coleta de provas robustas, mas também agir de forma ativa nos processos judiciais. Isso inclui se valer de pedidos contrapropostos, solicitar litigância de má-fé por parte dos fraudadores, e também estruturar uma política de recursos adequada e de acordos, a fim de evitar que casos de consumidores de boa-fé permaneçam ativos no judiciário. Essa abordagem permite uma maior priorização dos casos relevantes pelos magistrados.

Por outro lado, temos que reconhecer que existe avanço significativo por parte dos tribunais em agirem de forma mais criteriosa ao julgarem casos envolvendo desvios de energia, a exemplo do TJPE, que, quando a concessionária tem conseguido demonstrar a irregularidade, julga favorável a distribuidora. Contudo, apesar do entendimento favorável à distribuidora, deixa de tomar qualquer das outras medidas outras medidas sancionatórias elencadas, a exemplo do acórdão abaixo:

Acordam (…), à unanimidade de votos, em dar provimento ao presente recurso, no sentido de considerar lícita a cobrança por estimativa de consumo não faturado, dada a flagrante a irregularidade constatada no aparelho, decorrente de desvio de energia antes do medidor (derivação clandestina)” (Proc. 0001095-16.2021.8.17.3030)

Outros tribunais também avançam no tema, a exemplo do TJRJ, que, ao analisar processos relacionados a distribuidora Light – terceiro lugar entre as distribuidoras com maiores índices de perdas não técnicas do país –, implementou uma nova medida para combater fraudes nos processos. Foi criado o Núcleo Permanente de Combate às Fraudes (Nupecof), que divulgou enunciados para orientar que, caso o fato seja comprovado, o processo pode ser encerrado com ou sem resolução do mérito, conforme a interpretação, e o litigante de má-fé pode ser condenado em multa. Além disso, pode-se encaminhar as evidências ao Ministério Público, à OAB e ao próprio Nupecof.

Diversos outros núcleos de combate à fraude processual existem pelo país, a exemplo dos Nucof’s (TJRN e TJBA), Numopede (TJPE), entre outros, mas poucos possuem direcionamento quanto a causas envolvendo desvios de energia elétrica e, nesse contexto, por todo o impacto social demonstrado, essa se mostra uma pauta urgente.

É incontestável que o ato de desviar energia representa um desafio intricado para o setor elétrico, acarretando considerável impacto na sociedade. Entretanto, é claro o papel do judiciário e dos demais agentes da justiça na repressão a essas atitudes.

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