O Superior Tribunal de Justiça (STJ), órgão máximo para interpretação de Leis Federais, em 02 de março de 2023, julgou precedente obrigatório e definiu que, nos contratos de seguro de vida em grupo, incumbe exclusivamente ao estipulante informar ao segurado a respeito das cláusulas restritivas e limitativas de seus direitos, para que possa, previamente à contratação, compreender a extensão das garantias.
O tema não havia sido, até então, objeto de deliberação qualificada, existindo precedentes mais das Turmas de Direito Privado do STJ que tanto reconheciam o dever da seguradora prestar informações ao segurado, uma vez que tal responsabilidade não poderia ser transferida a terceiros[1], quanto julgados recentes que haviam superado tal entendimento e imputavam exclusivamente ao estipulante o dever de prestar informações prévias ao segurado[2].
A divergência Jurisprudencial produziu insegurança jurídica, amplificada por interpretações conflitantes entre Tribunais estaduais. Para resolver a divergência, uniformizando nacionalmente a interpretação do Código Civil Brasileiro (CCB), a Segunda Seção afetou o Resp 1.874.811/SC (2020/0115101-6) e o REsp 1.874.788/SC (2020/0115074-0) para julgamento sobre o rito dos recursos repetitivos, o que importa em extrair tese de direito que dever ser seguida obrigatoriamente por todos os Tribunais Nacionais, resolvendo os processos em curso e novos que venham a ser propostos.
No julgamento, os Ministros destacaram que, em razão da assimetria da relação estabelecida entre o segurado e o segurador, o dever de informação é cumprido de maneira distinta de acordo com a modalidade da contratação, se individual ou em grupo.
Nos contratos de seguro individuais, celebrados entre a seguradora e o titular do interesse segurado, incumbe a seguradora e aos seus representantes intermediários (corretores) o dever de informar o segurado, de forma adequada e antes da contratação, a respeito de toda a delimitação da garantia securitária, sob pena de ineficácia das cláusulas limitativas ou excludentes de cobertura.
Entretanto, no seguro de vida em grupo, a formação do contrato ocorre de forma diversa, uma vez que a negociação das cláusulas e interesses protegidos pelo contrato se dá exclusivamente entre a seguradora e o estipulante, em proveito de um grupo específico de pessoas, que apenas é definido em momento posterior à efetiva contratação da apólice[3].
A seguradora deve, contudo, informar ao estipulante, de forma adequada e também previamente à contratação, todas as delimitações do contrato, para que este possa anuir e prestar informações aos interessados que venham a aderir ao contrato.
Incumbe exclusivamente ao estipulante, representante dos segurados e responsável pela inclusão, exclusão de beneficiários da apólice e pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais, nos termos do art.801 do Código Civil[4], se desincumbir do dever de informação pré-contratual perante os segurados, em decorrência da incidência da boa-fé objetiva que permeia o contrato de seguro[5].
Assim, por maioria, a Segunda Seção editou tese para o Tema 1112 reconhecendo que, no seguro de vida coletivo, cabe exclusivamente ao estipulante, mandatário legal e único sujeito que tem vínculo anterior com os membros do grupo (estipulação própria), a obrigação de prestar informações prévias aos potenciais segurados.
Não se incluem na matéria afetada, contudo, as causas originadas de estipulação imprópria e de falsos estipulantes, visto que as apólices nessas figuras devem ser consideradas individuais. O acórdão do julgamento ainda será lavrado, e posteriormente publicado, mas a tese já deve ser seguida por todos os tribunais do país na apreciação de casos análogos.
Com a decisão, é esperado que os estipulantes passem a atuar de forma mais eficiente na informação dos segurados, para alcançar um contrato de seguro com limites conhecidos pelas partes e, com isto, contratação refletida.
A decisão representa um avanço, não apenas por pacificar uma questão controversa e de frequente litígio na prática securitária nacional, mas também pelo viés prático, que reconhece a forma de contratação usual dos seguros de vida em grupo, bastante populares no mercado, facilitando seu impulsionamento e desenvolvimento do setor.
Queiroz Cavalcanti Advocacia
Carlos Harten – Sócio-Diretor
Leonardo Cocentino – Sócio-Gestor
[1] AgInt no REsp n. 1.835.185/SC, relator Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/11/2019, DJe de 27/11/2019; AgInt no REsp n. 1.848.053/SC, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 10/3/2020, DJe de 2/4/2020; AgInt no REsp n. 1.845.263/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 30/3/2020, DJe de 6/4/2020; AgInt no AREsp n. 1.559.165/PR, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 4/5/2020, DJe de 7/5/2020; dentre outros.
[2] REsp n. 1.825.716/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 27/10/2020, DJe de 12/11/2020; AgInt no AREsp n. 1.737.671/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 15/3/2021, DJe de 17/3/2021; AgInt no REsp n. 1.850.764/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 19/4/2021, DJe de 23/4/2021; EDcl no AgInt no REsp n. 1.893.383/SC, relator Ministro Moura Ribeiro, Terceira Turma, julgado em 26/4/2021, DJe de 28/4/2021; AgInt no AREsp n. 1.724.600/SC, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 24/5/2021; AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.709.389/MS, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 14/5/2021; AgInt no AgInt no REsp n. 1.849.456/SC, relator Ministro Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 28/11/2022, DJe de 5/12/2022; dentre outros.
[3] TZIRULNIK, Ernesto; CAVALCANTI, Flávio de Queiroz Bezerra; PIMENTEL, Ayrton. O contrato de seguro de acordo com o código civil brasileiro. São Paulo: Roncararati, 2016. p.307
[4] Art. 801. O seguro de pessoas pode ser estipulado por pessoa natural ou jurídica em proveito de grupo que a ela, de qualquer modo, se vincule.
§ 1 o O estipulante não representa o segurador perante o grupo segurado, e é o único responsável, para com o segurador, pelo cumprimento de todas as obrigações contratuais.
§ 2 o A modificação da apólice em vigor dependerá da anuência expressa de segurados que representem três quartos do grupo.
[5] MIRAGEM, Bruno. Parecer elaborado a pedido da Federação Nacional de Previdência Privada e Vida – FENAPREVI para o julgamento do Tema 1112 pelo Superior Tribunal de Justiça. 2022. p.39