O Imposto Seletivo na Reforma Tributária

Você pagaria mais caro por escolhas que prejudicam a sua saúde ou o meio ambiente? Essa é a premissa provocativa do novo Imposto Seletivo instituído pela recente reforma tributária brasileira, cuja proposta vai além da arrecadação fiscal tradicional.

A promulgação da EC nº 132/2023 e a edição da LC nº 214/2025 introduziram mudanças substanciais no sistema tributário brasileiro, com destaque para a criação do Imposto Seletivo (IS), tributo federal, com função primordialmente extrafiscal. Em harmonia com os objetivos da reforma tributária, o IS visa desestimular o consumo de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, representando um instrumento de política pública voltado à promoção da sustentabilidade e da saúde coletiva. Sua previsão constitucional encontra-se no art. 153, inciso VIII, da CF e nos arts. 409 a 438, da LC nº 214/2025.

O IS possui incidência monofásica e cumulativa, onerando apenas uma vez o ciclo econômico dos produtos e serviços sujeitos à sua cobrança. Segundo a Lei Complementar nº 214/2025, o fato gerador do imposto pode consistir em diversos eventos, como o fornecimento do bem, a arrematação em leilão, a transferência gratuita, o consumo pelo próprio fabricante, a incorporação ao ativo imobilizado, a extração de bem mineral ou o fornecimento e pagamento de serviços específicos. A base de cálculo, por sua vez, que pode coincidir com a de outros tributos, depende da natureza da operação, podendo ser o valor de venda, o valor de arremate, o valor de referência estipulado por ato do Poder Executivo ou a receita própria da entidade promotora, conforme o tipo de operação.

Importante destacar que, por ser um custo efetivo da operação, a legislação veda expressamente o aproveitamento de créditos do IS, bem como a sua compensação com tributos de mesma natureza. Esse aspecto reforça o caráter extrafiscal do tributo, cujo objetivo principal não é arrecadatório, mas sim indutor de comportamento. A LC nº 214/2025 ainda prevê que a alíquota do IS será estabelecida por lei ordinária, observados os limites máximos definidos pela própria LC nº 214/2025, como por exemplo, a alíquota de até 0,25% para bens minerais extraídos.

A lei também define um rol inicial de produtos e serviços passíveis de incidência do IS, incluindo veículos, embarcações, aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas,

bebidas açucaradas, serviços de concursos de prognósticos e fantasy sports. Contudo, o ônus tributário efetivo incidente nas operações com esses bens e serviços dependerá de regulamentação posterior, que definirá as alíquotas e demais parâmetros, observados os critérios de nocividade e impacto ambiental. Dessa forma, o legislador ordinário manterá certa margem de discricionariedade para ajustar a tributação às realidades sociais e econômicas, característica típica da extrafiscalidade

Empresas que operam em setores diretamente afetados pela tributação seletiva precisarão adaptar suas estratégias de negócios. Com a introdução do IS, determinados produtos considerados de maior impacto à saúde ou ao meio ambiente poderão sofrer aumentos significativos em sua carga tributária, o que influenciará diretamente sua precificação, margens de lucro e o comportamento do consumidor. Caso o repasse do novo custo ao consumidor final seja parcial, as margens das empresas poderão ser comprimidas; se for integral, o consumo desses produtos pode sofrer retração, com potenciais reflexos na receita.

Entre as medidas possíveis estão a diversificação do portfólio, com a introdução de produtos menos onerados ou mais alinhados às tendências de consumo sustentável; a inovação tecnológica, voltada ao desenvolvimento de processos produtivos mais limpos e de produtos com menor impacto ambiental; e a revisão de modelos comerciais e produtivos, de modo a otimizar custos e explorar novas oportunidades de mercado. Além disso, será fundamental um acompanhamento permanente da evolução regulatória do IS, para antecipar ajustes necessários e minimizar riscos tributários e de imagem.

A experiência internacional demonstra que a eficácia desse tipo de tributo depende da articulação entre tributação e educação. Países como Reino Unido* e México* demonstram que tributos seletivos podem ser mais eficazes quando articulados com campanhas educativas e políticas públicas voltadas à saúde.

Um exemplo prático é a incidência do Imposto Seletivo sobre produtos como bebidas alcoólicas, cigarros e combustíveis, cuja alíquota adicional pode variar entre 10% e 30%, conforme o item.

Suponha que um produto, atualmente sujeito a uma carga tributária de aproximadamente 35% (incluindo ICMS e PIS/COFINS), passe a ser impactado por um Imposto Seletivo de 20%. Caso a empresa não consiga repassar integralmente esse acréscimo ao consumidor final, poderá haver uma redução significativa da margem operacional — com perdas estimadas entre 10% e 15% da rentabilidade — comprometendo o lucro e a competitividade no mercado.

Esse cenário ilustra como o imposto pode gerar impactos relevantes nas empresas, sobretudo na ausência de estratégias eficazes de mitigação, como revisão de custos ou realinhamento comercial.

Embora o Imposto Seletivo represente uma inovação no ordenamento tributário brasileiro, ele substitui, em parte, o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para determinados produtos. Diferentemente do IPI, que incide amplamente sobre produtos industrializados em geral, o Imposto Seletivo tem como foco principal a tributação de bens considerados não essenciais ou que geram externalidades negativas, como cigarros, bebidas alcoólicas e combustíveis.

O IS traz algumas mudanças importantes: sua arrecadação é destinada prioritariamente a fundos específicos para políticas públicas, as alíquotas são fixadas por Lei Complementar com faixas diferenciadas para cada produto, e a base de cálculo pode variar, buscando maior eficácia na regulação do consumo. Assim, o Imposto Seletivo atualiza e aprimora o modelo anterior, buscando maior eficiência fiscal e impacto social.

Trata-se de um instrumento moderno de governança fiscal, com potencial para alinhar a política tributária aos compromissos socioambientais do país. Seu sucesso, contudo, dependerá de uma regulamentação técnica precisa, de um aparato fiscalizador eficaz e de uma articulação inteligente com políticas públicas compensatórias. Para o setor produtivo, a capacidade de adaptação será determinante para enfrentar os novos desafios competitivos e reputacionais decorrentes do novo tributo. Para o Estado, o desafio será transformar o IS em um vetor efetivo de transformação social, com benefícios concretos e mensuráveis para a saúde pública e o meio ambiente.

* Rogers NT, Cummins S, Jones CP et al. Mudanças estimadas no consumo de açúcar livre um ano após a entrada em vigor do imposto sobre a indústria de refrigerantes do Reino Unido: análise de séries temporais interrompidas controladas da Pesquisa Nacional de Dieta e Nutrição (2011-2019). Revista de Epidemiologia e Saúde Comunitária. doi: 10.1136/jech-2023-221051.

* M Arantxa Colchero, pesquisadora; Barry M Popkin, professor; Juan A Rivera, diretor; Shu Wen Ng, professora associada de pesquisa. Compras de bebidas em lojas no México sob o imposto seletivo sobre bebidas adoçadas com açúcar: estudo observacional, BMJ 2016; 352 doi: https://doi.org/10.1136/bmj.h6704.

Autor

Rayany Lima