Os imóveis se diferenciam de outros tipos de produtos em razão de uma característica bem especifica, a intenção de que sejam bens duráveis e que não se deterioram tão rapidamente, como os demais produtos, ou seja, são feitos para atender aos seus proprietários por um grande prazo. Durante este período, devem demonstrar que possuem condições de habitabilidade e resistir aos agentes externos e internos.
Ainda que sejam construídas da melhor maneira possível, com solidez, segurança, as construções podem apresentar patologias decorrentes do desgaste natural, considerando que estão diante das condições do ambiente, pela utilização humana, bem como, atrelado aos próprios materiais utilizados na sua concepção.
A própria ABNT NBR 5.674:2012, que trata da “Manutenção de Edifícios – Procedimento”, afirma em sua introdução que:
É inviável sob o ponto de vista econômico e inaceitável sob o ponto de vista ambiental considerar as edificações como produtos descartáveis, passíveis da simples substituição por novas construções quando seu desempenho atinge níveis inferiores ao exigido pelos seus usuários. Isto exige que se tenha em conta a manutenção das edificações existentes, e mesmo as novas edificações construídas, tão logo colocadas em uso, agregam-se ao estoque de edificações a ser mantido em condições adequadas para atender as exigências dos seus usuários.
É extremamente importante que a manutenção das construções seja iniciada assim que passarem a serem utilizadas. Assegurando que o imóvel exista sob condições adequadas durante todo o seu tempo de utilização.
A manutenção das construções deve ser considerada como uma soma de ações a serem realizadas no decorrer da vida útil da edificação, seja para recuperar sua capacidade funcional, seja para conservar as suas partes e principalmente, manter o atendimento as suas necessidades e a segurança de quem a utiliza, conforme prevê a NBR 5.674 (ABNT, 2012), da NBR 14.037 (ABNT, 2011) e da NBR 15.575-1 (ABNT, 2013).
Resta evidente a importância da estipulação de critérios de manutenção suficientes à conservação da vida útil das construções, posto que, descumpridas as recomendações de manutenção estipuladas no “manual do proprietário”, eventuais defeitos que surjam no prazo de vida útil podem ser atribuídos à inadequação do uso pelo adquirente, afastando, por consequência, a responsabilidade do incorporador e construtor.
Todo bem durável, para que possa desempenhar suas funções com normalidade e manter sua durabilidade, deve ser bem utilizado e receber as devidas manutenções, seja ele uma moto, ar-condicionado ou imóvel
Se, por exemplo, o usuário do veículo não realiza a troca frequente de óleo do motor, pastilhas de freios e faz demais manutenções periódicas, não há como a fabricante vir a ser responsabilizada por qualquer patologia que o veículo apresente em razão disto.
Da mesma forma, se o usuário do imóvel não realiza a manutenção básica periódica (limpeza da tubulação, pintura de paredes, substituição de peças decorrentes de desgaste natural), igualmente, não há como os construtores ou incorporadores virem a ser responsabilizados por qualquer patologia apresentada no bem.
Nesse sentido, se faz imprescindível destacar que as garantias previstas na NBR 15.575 se baseiam, em verdade, na Vida Útil dos produtos, que, por sua vez, se refere à medida temporal da durabilidade daquele objeto em referência, ou seja, é o período em que o elemento se presta à atividade para a qual foi projetado e construído, desde que observadas as rotinas de manutenção indicadas.
Tendo em vista que incidem quanto aos vícios aparentes e ocultos também as excludentes de responsabilidade, quais sejam: caso fortuito ou força maior; fato de terceiro; e culpa exclusiva da vítima, ocorrendo no caso de descumprimento das regras dispostas no manual do proprietário, quanto à manutenção dos sistemas do empreendimento.
É fundamental que o nexo causal esteja presente para que se responsabilize o construtor ou o incorporador por vícios, alguns fatos, rompem o nexo de causalidade entre a conduta e o dano, sendo estes conhecidos como as excludentes de responsabilidade civil. São elas: estado de necessidade, legítima defesa, exercício regular de direito, estrito cumprimento do dever legal, culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior e a cláusula de não indenizar.
Nos casos em que a ausência de manutenção por parte do usuário da construção é clara, estamos diante da excludente de responsabilidade civil denominada culpa exclusiva da vítima.
A culpa exclusiva da vítima ocorre quando a o ato praticado pela vítima (morador, usuário do imóvel) isenta a responsabilidade de outras partes envolvidas, pelo fato de inexistir relação entre a conduta do suposto agente e o dano. Assim, é o entendimento de Maria Helena Diniz (2021, p. 136) quando descreve que “a vítima deverá arcar com todos os prejuízos, pois o agente que causou o dano é apenas um instrumento do acidente, não se podendo falar em nexo de causalidade entre a sua ação e a lesão”.
Ainda, importante considerar que se a vítima concorrer culposamente para o evento danoso também é responsabilizada, segundo infere-se da leitura do artigo 945 do Código Civil (BRASIL, 2002).
Como se verifica do artigo 937 do Código Civil, o qual dispõe: “o dono de edifício ou construção responde pelos danos que resultarem de sua ruína, se esta provier de falta de reparos, cuja necessidade fosse manifesta” (BRASIL, 2002).
Da mesma forma, dispõe a NBR 5.674 (ABTN, 2012), assinala que “o proprietário de uma edificação […] deve atender a esta Norma, às normas técnicas aplicáveis e ao manual de uso, operação e manutenção da edificação”.
Em algumas situações, a lei define a quem incumbe a responsabilidade pela conservação do bem, por exemplo: no usufruto, cabem ao usufrutuário as despesas ordinárias de conservação dos bens no estado em que os recebeu (CC, art. 1.403), enquanto que ao dono, as reparações extraordinárias e as que não forem de custo módico (CC, art. 1404); na servidão, ao dono é facultado fazer todas as obras necessárias à sua conservação e uso, caso a servidão pertença a mais de um prédio, serão as despesas rateadas entre os respectivos donos (CC, art. 1.380); na propriedade fiduciária, incumbe ao possuidor direto zelar e responder pela manutenção da coisa (CC, art. 1.363).
No caso de condomínios, o Código Civil (BRASIL, 2002) prescreve que o condômino tem a obrigação, na proporção de sua parte, a concorrer para as despesas de conservação ou divisão da coisa e a suportar os ônus a que estiver sujeita, de acordo com seu artigo 1.315.
Já nos condomínios edilícios, estabelece o artigo 1.336, inciso I, do Código Civil, que é dever do condômino de “contribuir par as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção”.
De igual modo, a NBR 5.674 (ABNT, 2012) também reforça o dever dos condôminos, quando cita que: No caso de propriedade condominial, os condôminos respondem individualmente pela manutenção das partes autônomas e solidariamente pelo conjunto da edificação, de forma a atender ao manual de uso, operação e manutenção de sua edificação.
Ademais, prevê o artigo 1.344 do Código Civil, que “ao proprietário do terraço de cobertura incumbem as despesas da sua conservação, de modo que não haja danos às unidades imobiliárias inferiores”.
De acordo com o artigo 1.348, inciso V, do Código Civil, compete aos síndicos “diligenciar a conservação e a guarda das partes comuns e zelar pela prestação dos serviços que interessem aos possuidores” (BRASIL, 2002).
O construtor e o incorporador devem fornecer ao adquirente o manual do proprietário, posto que, muitas vezes, o proprietário ou usuário da construção não entende a necessidade de realizar as manutenções, bem como, comumente não sabe das características do imóvel, prazos de garantia, e as formas mais adequadas de operar aquelas edificações, seu uso e manutenção.
Além disso, é direito do consumidor o dever de ser informado, previsto no Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990), nos seguintes dispositivos:
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
[…] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Art. 50. A garantia contratual é complementar à legal e será conferida mediante termo escrito. Parágrafo único. O termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.
Desta forma, imprescindível se faz que o Manual do Proprietário com todas as informações sobre a manutenção, seja elaborado pelos incorporadores e construtores, e fornecido ao proprietário no momento da entrega do imóvel, atingindo assim o objetivo de informar o consumidor, e resguardar a responsabilidade pelos eventuais vícios que surgirem ante a ausência de manutenção do proprietário.
Conforme abordado anteriormente, uma das excludentes de responsabilidade civil é a culpa exclusiva da vítima. Que ocorre quando o evento danoso acontece por fato exclusivo da vítima, inexistindo qualquer relação de causalidade entre a conduta do agente e o prejuízo experimentado por aquela.
Assim, traz Sérgio Cavalieri Filho (2019, p. 87), quando descreve “o fato exclusivo da vítima exclui o próprio nexo de causal em relação ao aparentemente causador direito do dano, pelo que não se deve falar em simples ausência de culpa deste, mas em causa de isenção de responsabilidade”.
É dever do proprietário usar o produto ou serviço de maneira correta, promovendo sua conservação e manutenção, em busca de utilizá-lo ao que se destina, conforme se estabelece no manual do fornecedor.
Não se utilizando de forma adequada o produto ou as indicações de manutenção do fornecedor, havendo prejuízo, estará configurada a sua culpa exclusiva. O que se verifica inúmeras vezes, em que o proprietário faz mau uso da unidade e posteriormente ajuíza ação contra as construtoras e incorporadoras, pleiteando indenizações por danos materiais e morais, e se evidencia que os vícios apontados são, em verdade, decorrentes da ausência de manutenção básica.
A utilização adequada, faz com que a qualidade do produto seja mantida, fazendo que com a vida útil se prolongue no tempo, para isso, importante se faz que quem o adquiriu utilize-o adequadamente seguindo o que dispõe o manual do proprietário.
Descumprindo com o dever de cuidado e manutenção, ocasionando danos ao imóvel deve ser excluída a responsabilidade dos construtores e incorporadores, em razão da excludente de responsabilidade da culpa exclusiva da vítima, que está prevista nos artigos 12, § 3º, inciso III, e 14, § 3º, inciso II, ambos do Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).
Entretanto, para que a responsabilidade civil dos construtores e incorporadores pela reparação do dano seja afastada é necessário que o proprietário da obra e da unidade seja devidamente orientado quanto ao uso adequado, a sua manutenção. Reforçando-se a necessidade da elaboração e entrega do manual do proprietário aos usuários das edificações.
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DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 7: responsabilidade civil. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2022.
AGRADECIMENTOS: à minha família, aos meus colegas de trabalho, em especial aos meus líderes e mentores Emília Belo, Rafael Accioly e Marcelo Carvalho, bem como aos meus professores.