Accontability e transparência no Direito Ambiental

O debate acerca da implantação de um Estado de Direito Ambiental no Brasil é algo relativamente novo. Muito embora esse seja um conceito antigo, introduzido pela Constituição de 1988, ele nunca foi tido como prioridade nacional. Recentemente, porém, com a ascensão das pautas ESG mundo afora, o cenário parece ter mudado.

O Estado de Direito Ambiental traz a ideia de que as políticas econômicas, sociais e jurídicas deveriam se orientar para a sustentabilidade, visando harmonizar a exploração de recursos naturais, a dignidade humana e a preservação do meio ambiente. Busca-se, com isso, ampliar a conscientização ambiental em todos os níveis, mas, especialmente, nas ações estatais.

Para que o Estado de Direito Ambiental se estabeleça por inteiro, três indicadores de governança devem se fazer presentes: a participação pública, o accountability e a divulgação de informações. Exige-se, todavia, que tais indicadores não façam parte do mundo das ideias apenas, mas, sim, que consistam numa prática corriqueira e trivial.

O termo accountability não possui uma tradução exata em português, mas pode ser interpretado como “prestação de contas”. Prestar contas implica na obrigação governamental de justificar, informar e ser transparente em suas decisões. Não à toa, o conceito de accountability se confunde com a ideia de participação pública: afinal, para o accountability existir, deve haver, do outro lado, uma comunidade disposta a cobrar transparência do Estado, ao passo que exerce a fiscalização das políticas públicas em curso — dentre as quais se incluem aquelas relacionadas ao meio ambiente e à sustentabilidade.

Já o direito à informação ambiental é amplamente reconhecido pelo direito internacional, além de consolidado pelo Princípio 10 da Declaração do Rio. Da sua leitura, conclui-se que não há melhor maneira de tratar das questões ambientais senão permitindo a participação de todos. Para tanto, devem as autoridades não só promover o acesso à informação, mas também sensibilizar o público acerca da importância do tema.

Para viabilizar a efetivação do Princípio 10, países da América Latina e Caribe firmaram o Acordo de Escazú, considerado ferramenta essencial de governança para a concepção de políticas públicas socioambientais na região. Embora ainda não tenha sido internalizado nacionalmente, o Brasil dispõe, em todas as esferas do ordenamento jurídico, de um arcabouço legal que reflete princípios semelhantes aos daquele Acordo. Não falta embasamento, portanto, para que as políticas públicas socioambientais venham a ser amplamente divulgadas pelo Estado brasileiro.

A publicidade de informações de cunho ambiental, inclusive, foi alvo de recentes discussões pelos tribunais superiores. Em maio, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar ação civil pública manejada pelo Ministério Público do Mato Grosso do Sul contra o Município de Campo Grande, deu provimento ao pleito ministerial por considerar que o acesso a informações públicas em matéria ambiental é um direito simultaneamente autônomo e funcional.

A ACP versava sobre a necessidade de concretização dos programas ambientais previstos no Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) do Lajeado, e de divulgação dos relatórios trimestrais responsáveis por comprovar a execução desses programas — obrigação essa que o Município não vinha cumprindo.

O STJ sustentou ser princípio básico das democracias a prestação de contas e o controle do governo pela sociedade, com a adequada participação da população no processo de monitoramento de políticas públicas. A publicação periódica dos relatórios de execução do Plano de Manejo, portanto, não configuraria mera sugestão, mas, sim, verdadeira regra.

Não à toa, aquela Corte fixou tese no sentido de o direito de acesso à informação no direito ambiental brasileiro compreende: 1) o dever de publicação, na internet, dos documentos ambientais detidos pela administração não sujeitos a sigilo; 2) o direito de qualquer pessoa e entidade de requerer acesso a informações ambientais específicas não publicadas; e 3) o direito a requerer a produção de informação ambiental não disponível para a administração.

Em consonância com a visão do STJ, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, reconheceu a violação ao direito de oitiva dos povos indígenas sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte. Tal discussão é fruto de ACP por meio da qual o Ministério Público Federal pedia a paralisação do processo de licenciamento da usina e defendia a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo 788/2005, que autorizou a sua implantação sem ouvir as comunidades indígenas afetadas.

Ao acertadamente legitimar o direito de consulta prévia durante o processo de licenciamento ambiental, o STF não só concedeu protagonismo aos indígenas, mas também ratificou o entendimento de que todos os processos de tomada de decisão em matéria ambiental demandam publicidade e transparência.

Ambas as decisões encontram respaldo no Princípio da Máxima Divulgação, responsável por nortear o regime de transparência pátrio. No Brasil, a regra é a publicidade — e o sigilo, a exceção: o desatendimento da publicação geral de informações públicas, portanto, abre ao cidadão o direito de reclamar acesso àqueles dados que deveriam ser espontaneamente divulgados pelo Estado.

É inegável que a transparência, enquanto princípio basilar da Administração Pública, configura um dever. Todavia, à medida em que os tribunais superiores reafirmam a sua importância, a margem da discricionariedade dos órgãos ambientais, na tomada de decisão sobre a necessidade de informar, diminui sobremaneira.

Indiscutivelmente, essas decisões são o impulso necessário para o pleno estabelecimento de um Estado de Direito Ambiental no país. Em igual medida, porém, faz-se fundamental a participação ativa de todos os cidadãos na cobrança de posturas mais transparentes da Administração, especialmente no que concerne a divulgação de políticas públicas socioambientais.

Autor

Raíssa Gadelha