Em período de pandemia do COVID-19, todas as atenções estão voltadas para a saúde pública. Desde o fim de janeiro desse ano, iniciou-se uma verdadeira corrida contra o tempo para construir hospitais de campanha e novos leitos de UTI, adquirir respiradores mecânicos e contratar profissionais de saúde, tudo com o objeto de preparar a rede pública, o SUS, e enfrentar a pandemia.
Para possibilitar a realização, com agilidade, do investimento necessário, diversos municípios, estados e até mesmo a União, em um movimento inédito, viram-se obrigados a decretar estado de calamidade pública. Na prática, isso significa que, para fazer frente aos gastos extraordinários com a pandemia, o prefeito, governador e/ou presidente, conforme o caso, poderá gastar mais do que o inicialmente previsto em seu orçamento e, em razão da urgência, sem necessidade de licitação pública[1].
Se é certo que tal regime emergencial é necessário para enfrentar a calamidade pública, é igualmente correto afirmar ser fundamental à preservação das vidas a qualidade do gasto público. Nesse cenário, assim como os limites orçamentários e a burocracia, o desperdício e a corrupção matam.
Para evitá-los, contar com a empatia e a boa-fé definitivamente não é suficiente. Como o outro lado da moeda da flexibilização das contratações públicas, assumem papel ainda mais relevante a preservação e o reforço das medidas de transparência, que se tornam as ferramentas de controle mais eficazes e disponíveis à população.
No Brasil, todavia, essa regra não parece ser geral, apesar do constante na Lei de Informação e na Lei de Transparência.
Primeiramente, chamou a atenção a tentativa do Governo Federal, por medida provisória, praticamente paralela à instalação do regime emergencial de contratação pública, de limitação do acesso às informações de gastos e contas públicas durante o regime de calamidade pública. Foi necessário que o Min. Alexandre de Morais, do STF, concedesse liminar para suspender a eficácia da Medida Provisória n. 928/20, que, claramente, vai de encontro à Constituição.
Outrossim, conforme ranking elaborado pela Transparência Internacional – Brasil para avaliar a transparência dos estados e municípios em contratações emergenciais relacionadas ao COVID-19[2], dos 26 estados brasileiros, menos da metade receberam nota boa ou ótimo. O cenário é ainda mais catastrófico quando tratamos das capitais, apenas 5 receberam classificação boa ou ótimo, enquanto 10 receberam notas ruim ou péssimo.
A consequência não poderia ser diversa do relevante número de casos de corrupção envolvendo o enfrentamento da crise, que não demoraram a ser relatados. Vão desde a aquisição de respiradores mecânicos superfaturados, defeituosos ou inservíveis ao tratamento do COVID-19 até à contratação de obras e serviços com empresas fantasmas.
Evidente, pois, a importância da transparência e do controle social no combate à corrupção e à preservação das vidas. Trata-se, sem dúvida, de uma missão dos setores público e privado.
Como referência do setor público, pode-se registrar o hotsite do Ministério da Saúde chamado de “Contratos Coronavírus”[3]. De forma simples e acessível, é possível identificar os contratos celebrados pelo órgão com dispensa de licitação, a parte contratada, o objeto, o valor e o prazo de duração do contrato.
Em relação às empresas privadas, é recomendável semelhante medida. Recentemente, a Controladoria-Geral da União alertou que medidas anticorrupção e de integridade devem ser adotadas não apenas pelos órgãos públicos, como também pelas empresas brasileiras, que têm feito generosas doações de equipamentos, máscaras e até mesmo dinheiro em espécie para auxiliar o Estado no combate à pandemia[4]. Para tanto, preconiza a criação de hotsites semelhantes àquele do Min. da Saúde, bem como a criação de estruturas de compliance para prevenção de ilícitos, em linha com a Lei de Anticorrupção.
É válido lembrar que condutas simples com as elencadas anteriormente, além de terem um significativo impacto positivo para a organização e para sociedade, contribuindo nitidamente para a preservação das vidas, não demandam grandes orçamentos, nem representam obstáculos à correta contratação, devendo ser adotadas tanto pelo pequeno, quanto pelo grande empresário.
Na luta dos setores público e privado contra a pandemia, as ações de transparência são remédio essencial. O mau uso do dinheiro público é tão ou mais nocivo que o próprio coronavírus para preservação das vidas. Mais importante do que gastar, é como gastar.
[1] Conforme Art. 4º da Lei 13.979/20, em âmbito federal e Art. 7º do Decreto 48.881/20, em Pernambuco.
[2] Disponível em: https://transparenciainternacional.org.br/ranking/
[3] Disponível em: https://www.saude.gov.br/contratos-coronavirus
[4] Disponível em: https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/etica-e-integridade/arquivos/cartilha-integridade-covid.pdf